Claro, né? Mas não venham me dizer que isso é novidade porque lá em 2020 eu gravei um vídeo, escrevi artigo, dei palestra…Fiz o que pude pra explicar de todas as formas que o pix não era um meio de pagamento. Era um novo protocolo tecnológico.
E por isso, as formas de transacionar da maneira como conhecemos iriam ser transformadas, aos poucos.
Não é a FUNÇÃO de compra no presente e pagar no futuro que vai acabar. É esse fluxo complexo, oneroso e desatualizado tecnologicamente que vai acabar. É isso que significa “o cartão de crédito vai acabar”.
Ah Tici, pelo amor de Deus! Cartões de crédito nesse formato tem mais de 70 anos. Exatamente por isso. A mudança histórica que está acontecendo na tecnologia tira a necessidade de uma infraestrutura terceira para prover a conexão entre os players emissores e adquirentes.
Mas quem sou eu na fila do pão te falando isso em 2020? Ninguém. Mas agora, com Roberto Campos Neto, Presidente do Banco Central, declarando acreditar “que os cartões de crédito deixarão de existir em breve, devido ao crescimento do sistema financeiro aberto, por meio do qual os clientes autorizam o compartilhamento de dados financeiros com diferentes instituições”.
A partir disso, você vai ler esse artigo até o fim, né? Então, vamos lá!
Quando você vai em um restaurante com sua família e gasta R$650,00 em uma conta, você não precisa levar uma sacola cheia de notas para pagar. Existe um pedaço de plástico com um chip, que está conectado ao seu banco e consegue transferir o valor solicitado por um hardware (maquininha) para o banco da dona do estabelecimento.
Já parou pra pensar COMO isso acontece?
Sabe aquele monte de número que tem no seu cartão? A máquina checa primeiro o número do cartão para se conectar à Visa, Master ou American por exemplo. Se o primeiro número for 4, vai se conectar à vista.
Ok, os próximos cinco números identificam o Banco emissor. Para que através da Visa, seja estabelecida uma comunicação com ele.
Ou seja a Maquininha diz:
“Visa, mande o numero completo do cartão, o nome da pessoa e o valor da transação para o Bank of America, que é o emissor.”
Aí o Bank of America analisa a transação, analisando se você geralmente gasta esse valor em compras ou se talvez não seja você realizando aquela transação, rodando o sistema anti-fraude do cartão. Se ele entende que sim.
Bank of America fala: “ok, Visa!”
Aí a Visa fala para a empresa de adquirência (que a dona do estabelecimento contratou e forneceu a ela um hardware para capturar pagamentos, a maquininha): “Ok, pode aceitar esse pagamento!”
E aí a empresa de adquirência manda para o restaurante uma msg na tela da maquininha: “Ok, aprovado!”
Mas nem sempre foi assim não. Agora que tentei tangibilizar a relação tecnológica que acontece entre os atores envolvidos para que você realize uma compra com cartão de crédito. Vamos voltar um pouco no tempo para entender que nem sempre foi assim e como ficou assim.
Esse fluxo que narrei acima, por exemplo, já foi totalmente manual e offline: Em 1800, por exemplo, as famosas moedas de crédito eram carimbadas com uma imagem e um número de conta que identificava o consumidor.
Quando o comprador utilizava a moeda para pagamento, o lojista procurava o arquivo em papel vinculado ao número da conta para verificar o limite de crédito e autorizá-lo.
Mas o nosso foco aqui tem que ser no conceito. Na necessidade a ser resolvida, não na forma. Para isso, vou, arbitrariamente, descrever dois conceitos:
Dinheiro
Objeto que a sociedade em comum acordo atribui valor. Já havia conchas e até feijões. Hoje são papéis e moedas.
Crédito
É quando uma mercadoria é negociada, mas o vendedor não recebe imediatamente o pagamento. A dívida é registrada e paga em uma data posterior.
Então, podemos, por exemplo, ver que esse conceito já acontecia na Mesopotâmia há 5.000 anos atrás. Quando os agricultores precisavam pagar imposto sobre as colheitas e faziam a promessa. Mas só pagavam depois que elas cresciam. Com o tempo o governo começou a usar argila para registrar as dívidas.
Já em 1914 a Western Union começou a dar pequenas placas de metal que permitiam que seus clientes pagassem com elas para efetivamente desembolsar o dinheiro depois.
E aí, um banqueiro do Brooklyn, chamado John Bringgs criou o modelo de negócio mais arriscado, pois era um circuito fechado de crédito. Com os Charge Cards. Em que existia um desembolso do banco dele, para pagar o comerciante. E posteriormente, ele recebia do consumidor. Assumindo totalmente o risco da operação e facilitando a vida dos envolvidos.
Durante as primeiras décadas do século, um grande número de outras empresas, tais como hotéis, lojas de departamentos e companhias de gasolina emitem cartões de crédito aos seus clientes.
Mas ainda estávamos falando muito de circuitos fechados. Nisso surgiu a necessidade de um “cartão de crédito universal”. Que dê a possibilidade de consumir em vários lugares e só receber a conta depois.
O marco mais famoso na história dos tais cartões de crédito, é o surgimento do Dinners Club 1949, através de Frank Macnamara.
O clube fundado com apenas 200 pessoas, com um papel-cartão com o nome da pessoa, possibilita que você consuma em 27 estabelecimentos diferentes. E a pessoa pagava uma taxa para que 1 vez por mês o Dinners lhe enviasse todas as cobranças juntas.
E depois saísse repartindo o pagamento. Isso fez tanto sentido que em 2 anos já eram 42.000 pessoas. Pq? Pq vc nao precisava carregar muito dinheiro para ir tomar um vinho, comprar um carro, sendo mais seguro. E o cartão em si não vale nada. Estávamos em um momento de muito risco e ampliação do consumo.
Bandeiras, não precisamos mais de vocês!
Era evidente a dor resolvida. As pessoas clamavam para ter acesso mais fácil a esse benefício, mas havia um problema de infraestrutura. Como escalar? Quando os bancos entraram nessa história? É aí que entramos no modelo atual.
Já que esse tal clube estava gerenciando as contas das pessoas, porque não guardam nos Bancos, local onde essas pessoas já possuem o dinheiro.
Nisso, pensaram: – Por que não entramos nessa também?
E assim vieram consórcios de bancos como o American Express, o ICA, que virou MasterCharge, que depois virou MasterCard. Até que o grande Bank American Service Corporation criou o cartão BankAmericard.
A infraestrutura necessária para que houvesse comunicação dentro dos participantes do arranjo é o que chamamos de bandeira. Tanto a nível de contratos, acordos, preços, negócio, como, principalmente, a nível de possibilitar um protocolo padronizado de comunicação entre agentes diferentes do mercado.
O grande ponto é que as bandeiras são como roteadores – elas não tem clientes ou pessoas físicas. Os clientes das bandeiras são os Bancos Emissores de cartão, as empresas de credenciamento, ou popularmente conhecidas como, empresas da maquininha.
Quem emite cartão X e quem aceita cartão Y. As pessoas não são clientes Visa ou Master. Porque a bandeira é apenas a infraestrutura que conecta o emissor com o receptor.
Tipo o…. sistema do Pix 🙂
Isso mesmo. A forma como o sistema de pagamentos instantâneos foi construída no Brasil, colocou o nosso Banco Central em relação ao Pix no mesmo papel que as bandeiras têm em relação ao arranjo de cartões:
Detentor do arranjo, provedor da infraestrutura e das regras para participar.
E se dinheiro é um conceito, crédito também é um conceito. Sendo assim, é possível trocarmos o protocolo tecnológico que utilizamos para realizar as mesmas coisas que fazíamos antes.
Porque vou precisar de uma empresa credenciadora, se agora os estabelecimentos podem baixar um app e receber o pagamento? Porque eu vou precisar de um provedor de infraestrutura para transferir os dados e as informações, se todos já estão interligados via APIs padrão do Pix e do Open finance? Porque eu preciso pagar 3% de custo para aceitar cartão, se eu posso aceitar pix?
Porque as pessoas não tem dinheiro, né Tici?
É! E aí que reitero o conceito do crédito. O que precisamos é adquirir algo hoje e o dinheiro só sairá da minha conta no futuro. E isso é super possível e já praticado inclusive, hoje em dia no “pix no crédito”. E vem aí o Pix Garantido, em que o “Emissor” garante ao estabelecimento que ele receba o valor em tempo presente e cobre juros ao pagador por estar pagando em nome dele, para só receber no futuro. E se o usuário não tiver saldo no dia que o Emissor for descontado, ele pode inclusive abrir um “cheque especial”, já que é o cliente dele, na conta provida por ele.
Saem de cena uma série de atravessadores. Com isso, aumenta a segurança, diminui a quantidade de brechas de bugs, ataques, players despreparados.
Diminui o custo para o estabelecimento, aumenta a praticidade para o consumidor. Todo mundo ganha. Menos as bandeiras!
Até aqui eu concordo com o nosso digníssimo Presidente do Banco Central. Mas ele esqueceu apenas UM detalhe MUITO significativo que muda totalmente essa frase de “cartões de crédito vão acabar” ou a ideia de aplicativo, que unifica tudo e a pessoa não precisa mais ter múltiplos cartões, etc.
O Brasil tem mais de 25 milhões de pessoas sem Smartphone
E dos que tem, existem milhões sem acesso a internet no Smartphone, sem memória para aplicativo. Sem acesso aos bancos digitais, principalmente, olhando para o fato de que o Brasil tem 13,9 milhões de analfabetos adultos.
Então sim: um pedaço de plástico que me possibilite comprar no presente e pagar no futuro, com um processo de acesso à ele através do universo offline (agências e revendedores) é algo extremamente necessário, valioso e democrático.
Então vamos transformar a tecnologia e continuar provendo acesso? Vamos!
Regulador inovador? Temos!
Feito esse disclaimer. Não podemos negar que para o Brasil, iniciativas como essa partindo do regulador, do governo, da iniciativa pública, de fato nos colocam na cara do gol para um avanço sem precedentes na história. Falando em um evento sobre criptomoedas, Campos Neto projetou que, por meio de um “Super App”, o usuário controlará todos os aspectos de sua vida financeira em um único “integrador” no celular, ao invés de ter muitos aplicativos de bancos diferentes.
O super app representaria, na prática, a união entre quatro blocos da agenda tecnológica capitaneada pelo BC: Pix, Open Finance, internacionalização da moeda e real digital.
“Em algum momento, não terá um app do banco A, B ou C, e sim o que chamamos de agregador”, disse o presidente da autoridade monetária.
Ele citou, por exemplo, alguns recursos dessa plataforma. “Se quiser fazer um Pix, a pessoa vai decidir entre débito ou crédito. No caso do débito, [o agregador] mostrará o saldo em todos os bancos onde ela tem conta. Já no crédito, aparecerá a linha que tem em cada banco”, afirmou.
Na realidade, na minha visão é uma inversão da lógica, ou seja, ao invés de múltiplos cartões. É UM usuário usando múltiplas instituições.
Rouba um monte das parcelas?
A partir de setembro ou outubro, esse movimento tende a avançar mais, segundo ele. “Isso é, em grande parte, desenvolvimento dos próprios bancos porque a plataforma que o Banco Central oferece já permite. Mas estamos fazendo algumas adaptações para facilitar esse processo. E com o Open Finance, termos não só o Pix Parcelado, mas também a portabilidade de produtos e parcelamentos já existentes.”
É, de fato, lendo isso, vemos que oportunidade na mesa tem. Estamos diante de novos desafios. Mas em cima de conceitos pré-históricos. Os vendedores de milhas e programas de fidelidade podem ficar tranquilos, os bancos vão continuar querendo incentivar meios de pagamentos atrelados à juros.
Mas desapeguem do modelo vigente, ou sejam a próxima Kodak.
Artigo autoral da CEO, Ticiana Amorim para o Linkedin – https://www.linkedin.com/pulse/o-cart%25C3%25A3o-de-cr%25C3%25A9dito-est%25C3%25A1-com-os-dias-contados-ticiana-amorim/